TJCE 20/06/2022 / Doc. / 930 / Caderno 2 - Judiciário / Tribunal de Justiça do Estado do Ceará
Disponibilização: segunda-feira, 20 de junho de 2022
Caderno 2: Judiciario
Fortaleza, Ano XIII - Edição 2867
930
Monte Sion, Zona Rural, Parambu/CE, sendo cliente da concessionária de serviço de energia elétrica (Cliente nº 5026076) e
percebeu um aumento excessivo e injustificado nas faturas de energia elétrica, posto se tratar de imóvel rural e o consumo
faturado não corresponder com o valor cobrado, por vezes 05 (cinco) ou 07 (sete) vezes maior que o seu consumo médio, o que
gerou diversas aberturas de protocolos de atendimento durante o período de 2019 a 2020. Na ocasião, elencou as seguintes
faturas que entende como abusivas: 15/02/2019 – R$186,78; 16/04/2019 – R$268,41; 17/06/2019 – R$230,00; 19/07/2019 –
R$1474,09; 18/09/2019 – R$922,26; 18/11/2019 – R$762,12; 20/12/2019 – R$315,97; 18/01/2020 – R$636,18. Juntou cópias
dos protocolos de atendimento (Id 3040898) e cópia das faturas (Id 3040897). Em contestação, a requerida esclareceu que a
requerente é usuária do Grupo B, com imóvel situado na zona rural e possui o tipo de faturamento bimestral, nos termos do art.
86 da Resolução 414/2010 da ANEEL. Salientou que após ordem de erro ingressada em 2019, as faturas reclamadas foram
refaturadas da seguinte forma: - 07/2019 no valor de R$1474,09 cancelada e refaturada para R$224,89; - 09/2019 no valor de
R$922,26 cancelada e refaturada para R$213,22; - 11/2019 no valor de R$762,12 cancelada e refaturada para R$315,97; 01/2020 no valor de R$636,18 cancelada e refaturada para R$206,66; - 03/2020 no valor de R$562,99 cancelada e refaturada
para R$562,99; - 04/2020 no valor de R$16,75 cancelada e refaturada para R$158,84; - 05/2020 no valor de R$233,14 cancelada
e refaturada para R$93,63 - 06/2020 no valor de R$17,75 cancelada e refaturada para R$94,54 07/2020 no valor de R$224,28
cancelada e refaturada para R$87,52; - 12/2020 no valor de R$427,56 cancelada e refaturada para R$200,04 Ressaltou que
mesmo após o ajuste das contas a demandante ainda se mostrou insatisfeita, tendo inclusive efetuado avaliação técnica no
medidor, na qual fora atestado o seu funcionamento normal. Informa que as faturas refletem o real consumo da unidade,
acostando histórico de atividades e de cobranças da cliente, bem como informações acerca do laudo de avaliação do medidor.
(Id 3040902). Sobreveio sentença (Id 3040915) que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral, consignando que é
inconteste a ocorrência de erros assumidos pela própria concessionária em relação aos valores processados, tendo em vista o
refaturamento realizado ainda na esfera administrativa. Noutro giro, reputou como legítimas as quantias cobradas após o
refaturamento, uma vez que a parte autora não colacionou aos autos as faturas do ano anterior a fim de se aferir o real consumo
médio de sua unidade consumidora. Por fim, pontuou que “as situações de equívoco ocorreram de forma pontual, mas ao longo
de dois anos, submetendo a consumidora a uma jornada de telefonemas, visitas presenciais, perícias de medidor, além das
dúvidas e inconsistências sobre consumo/pagamento. Desta forma, restou-se demonstrado que por diversas vezes a autora viu
se repetir a situação de leitura – faturamentos – cobranças – contatos – refaturamento - pagamento, procedimento que quando
repetido ao longo do tempo, cria ônus que o consumidor não é obrigado a suportar e que vão além dos limites do hodierno”,
motivo pelo qual condenou a requerida ao pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de danos morais. Irresignada, a
ENEL interpôs recurso inominado (Id 3040920) defendendo a inexistência de danos morais no caso em destrame, por entender
que o episódio vivenciado não ultrapassou a esfera da mera cobrança indevida, ressaltando ainda que a promovente não sofreu
corte no fornecimento do serviço ou teve seu nome negativado no órgão de inadimplentes. Nesse esteio, pugnou pela exclusão
da condenação imposta, e em caso de entendimento adverso, pela redução do patamar de R$ 4.000,00 (quatro mil reais)
arbitrado. A parte recorrida não apresentou resposta ao recurso. É o relatório. VOTO Conheço do recurso inominado, uma vez
que atendeu aos requisitos de admissibilidade. Vislumbra-se no caso vertente que a discussão orbita em face de uma relação
de natureza consumerista, portanto regulamentada pela Lei 8.078/90. Assim, emolduradas as figuras do consumidor e
fornecedor, a responsabilidade da promovida é objetiva, baseada na teoria do risco, independentemente de culpa. Cinge-se a
controvérsia recursal em relação ao reconhecimento de abalo moral oriundo das cobranças indevidas de consumo de energia na
unidade consumidora da autora. Em que pese os argumentos recursais de que a concessionária de serviços públicos não
chegou ao ponto de suspender o fornecimento de energia na unidade consumidora da parte autora ou levar o seu nome aos
órgãos de proteção ao crédito, a situação posta em causa denota que os equívocos no faturamento de consumo da demandante
não ocorreram de forma esporádica, mas de maneira sucessiva durante vários meses entre o período de 2019 a 2020. Perceba
que, ao todo, houve aproximadamente o refaturamento de 9 (nove) contas de energia entre o período indicado na exordial, em
que a maioria das faturas apresentava consumos exorbitantes em valores impraticáveis, o que levou a recorrida a procurar a
demandada para formular uma série de protocolos de atendimento de variação de consumo, conforme demonstram os
documentos acostados na Id 3040898. Com efeito, a despeito do deste Colegiado comungar o entendimento de que a mera
cobrança indevida, isoladamente, não represente abalo de ordem moral, o caso dos autos revela que a sucessão de falhas na
apuração do consumo causou uma série de transtornos no cotidiano da requerente, a qual precisou se dirigir por diversas vezes
ao posto de atendimento da parte ré para tentar solucionar os equívocos, somente tendo seu pleito atendido muito após a
formalização da primeira reclamação. Nesse tocante, oportuna a doutrina de Felipe Braga Netto sobre a teoria do desvio
produtivo do consumidor, em sua obra Manual de Direito do Consumidor (2020, Editora Juspodivm, p. 310): É certo que sob
essa expressão – indenização pela perda do tempo livre ou pela perda do tempo útil – situações muito diversas podem se
apresentar. Há algo que deve ser visto como denominador comum a todas elas: a superação do limite da tolerabilidade, algo
que só pode ser aferido no caso concreto. Isso porque é socialmente comum e aceitável – talvez até inevitável – que todos nós
percamos tempo nessa ou naquela atividade, ainda que desagradável (…) Mas há outras situações, específicas e temperadas
de abusividade, relacionadas à perda de tempo útil, em que o dano indenizável tem se mostrado presente. Obrigar, por exemplo,
o consumidor a perder dias ou semanas para resolver determinada situação (sobretudo se a situação não foi causada por ele,
como na hipótese de uma cobrança indevida ou por engano) pode se mostrar como relevante pelo tempo que se perdeu com
isso. Sabemos quão lentas e burocráticas costumam ser essas soluções. Deve-se ponderar ainda a angústia da recorrida, que
perdurou por vários meses, causada pelo receio de corte indevido de um serviço de natureza essencial, sendo inquestionável o
abalo em sua esfera imaterial. No tocante ao valor arbitrado de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), não antevejo qualquer desmesura
que justifique a intervenção excepcional desta Turma para minoração, mormente considerando o porte econômico das partes, a
aflição causada à consumidora e o elástico lapso temporal em que a falha na apuração do consumo perdurou sem a resolução
por parte da concessionária. Coaduno-me ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que prefere prestigiar a decisão do
juízo de origem, reservando sua atuação reformadora para os casos de excesso ou frugalidade do valor, tese que albergo,
mantendo o valor indenitário arbitrado, por não ser exorbitante e estar em consonância com as peculiaridades do caso concreto
e dos ditames da proporcionalidade e razoabilidade. ANTE O EXPOSTO, CONHEÇO DO RECURSO PARA NEGAR-LHE
PROVIMENTO. Condeno o recorrente vencido ao pagamento de custas e honorários advocatícios na margem de 15% (quinze
por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 55 da Lei 9.099/95. É como voto. GERITSA SAMPAIO
FERNANDES JUÍZA RELATORA
19 - RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0000068-94.2013.8.06.0213 RECORRENTE: ANTÔNIO SABINO MACHADO
Advogado do(a) RECORRENTE: FRANCISCO DAS CHAGAS DE OLIVEIRA OAB-CE 22590 e FRANCISCO LAÉCIO DE
AGUIAR OAB-CE 23633-0 RECORRIDO: BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A-EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL Advogado do(a)
RECORRIDO: THIAGO MAHFUZ VEZZI -OAB-CE 31478-A PROCLAMAÇÃO DO JULGAMENTO: Os membros da Primeira Turma
Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, acordam em CONHECER
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º