TJPB 19/02/2021 / Doc. / 6 / Diário da Justiça / Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba
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DIÁRIO DA JUSTIÇA – JOÃO PESSOA-PB • DISPONIBILIZAÇÃO: QUINTA-FEIRA, 18 DE FEVEREIRO DE 2021
PUBLICAÇÃO: SEXTA-FEIRA, 19 DE FEVEREIRO DE 2021
Comarca de Sousa condenou FÁBIO WANDERSON DO NASCIMENTO pela prática dos crimes de homicídio
qualificado (através de recurso que impossibilitou a defesa da vítima) e porte ilegal de arma de fogo, em
concurso material, sendo a ele imposta a pena privativa de liberdade total de 14 (catorze) anos de reclusão a
ser cumprida inicialmente no regime fechado, além de 10 (dez) dias-multa, à fração de 1/30 do salário mínimo
vigente à época dos fatos, negando-lhe o direito de apelar em liberdade – Irresignado, o réu interpôs apelação
criminal, com supedâneo no art. 593, III, “d”, do Código de Processo Penal, asseverando ser a decisão
condenatória completamente divorciada do conjunto probatório. 1. Em se tratando de Júri, os jurados têm
ampla liberalidade no contexto da apreciação das provas, não se obrigando a fundamentar sua decisão,
bastando uma consciência embasada nos elementos de convicção presentes no caderno de provas, o que
impede a anulação do julgamento. A opção por uma das vertentes probatórias, com o acolhimento de uma das
versões erigidas em sessão plenária, insere-se justamente no âmbito do poder conferido aos jurados, de
decidir em consonância com o seu livre convencimento motivado. – In casu, a versão acolhida pelo Tribunal
Popular para condenar FÁBIO WANDERSON DO NASCIMENTO pelos crimes de homicídio qualificado e porte
ilegal de arma de fogo está amparada no acervo probatório colhido durante a instrução processual, não
havendo que se cogitar em anulação do julgamento, porquanto tal medida redundaria em flagrante violação ao
princípio constitucional da soberania dos veredictos, esculpido no art. 5º, XXXVIII, “c”, da Carta Magna. – Os
jurados rechaçaram a tese defensiva de legítima defesa em relação ao homicídio, ao responderam negativamente o quesito genérico previsto no art. 483, § 2º, CPP[1]. – Assim, malgrado o réu tenha confessado ter
atirado contra a vítima, alegando que sua ação de amolda à excludente de ilicitude esculpida no art. 25 do CP
(legítima defesa), esta versão não restou acolhida pelo Conselho de Sentença. – O acervo probatório
acostado aos autos é suficiente a amparar a decisão dos jurados, que reconheceu a autoria delitiva e afastou
a tese defensiva de legítima defesa. Ademais, em relação à referida excludente de ilicitude, ainda que
admitida a iminência de injusta agressão por parte da vítima, está claro que a reação levada a efeito pelo réu
mostrou-se desproporcional e descabida, notadamente pelo fato de que a vítima foi alvejada de morte pelas
costas, com 02 (dois) tiros, conforme consignado no Laudo Tanatoscópico, disparados de uma motocicleta em
movimento, segundo contundente peça acusatória. 2. A dosimetria da pena não foi objeto de insurgência,
tampouco há retificação a ser feita de ofício, eis que o togado sentenciante observou de maneira categórica
o sistema trifásico da reprimenda penal, obedecendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. – In
casu, a condenação do apelante se deu pelo crime de homicídio qualificado (Art. 121, § 2°, IV, do CP), que
prevê pena in abstracto de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão, e pelo crime de porte ilegal de arma de fogo
(art. 14, da Lei 10.826/03), com pena in abstracto de 02 (dois) a 04 (quatro) anos de reclusão, e multa, em
concurso material. – Quanto ao crime de homicídio qualificado, ao analisar as circunstâncias judiciais do art.
59 do CP, em que pese ter considerado a desfavorabilidade de alguns vetores, o magistrado fixou a pena-base
no mínimo legal, qual seja, 12 (doze) anos de reclusão. Considerando inexistir circunstâncias atenuantes e
agravantes, bem como causas especiais de aumento ou diminuição da pena, tornou a pena definitiva em 12
(doze) anos de reclusão. – Quanto ao crime conexo (porte ilegal de arma de fogo), ao analisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, em que pese também haver considerado a desfavorabilidade de alguns
vetores, fixou a pena-base no mínimo previsto, qual seja 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias multa no
valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente a época do fato, devidamente atualizada. Em seguida, deixou
de aplicar a atenuante da confissão por ter sido a pena aplicada no mínimo legal. Ao considerar inexistentes
circunstâncias agravantes a serem reconhecidas, bem como causas especiais de aumento ou diminuição da
pena, tornou definitiva em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. – Por fim, aplicando a regra do
concurso material (art. 69, CP) procedeu a soma das reprimendas, resultando na pena final de 14 (catorze)
anos de reclusão a ser cumprida inicialmente no regime fechado, além de 10 (dez) dias-multa, à fração de 1/
30 do salário mínimo vigente à época dos fatos. 3. Desprovimento da apelação. Manutenção da condenação
e da pena impostas. Harmonia com o parecer. ACORDA a Câmara Especializada Criminal do Egrégio Tribunal
de Justiça da Paraíba, à unanimidade, nos termos do voto do Relator, em harmonia com o parecer ministerial
de 2º grau, negar provimento à apelação, para manter a condenação e a pena imposta ao recorrente, nos
termos da sentença.
APELAÇÃO N° 0001239-48.2017.815.0261. ORIGEM: GAB. DO DES. RELATOR. RELATOR: Des. Ricardo
Vital de Almeida. APELANTE: Cosmo Florentino de Morais. ADVOGADO: Warren Stenio Saturnino Batista
(oab/pb 17.942) E Jose Saturnino de Souza (oab/pb 4.315). APELADO: Justica Publica. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO (ART. 12,
CAPUT) E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM SINAL SUPRIMIDO (ART. 16, §1º, IV). APLICAÇÃO DO
CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. CONDENAÇÃO. 1. PLEITO DE REFORMA DA SENTENÇA PARA
APLICAÇÃO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS DELITOS IMPUTADOS. INVIABILIDADE. EMBORA TENHA OCORRIDO A CONSUMAÇÃO DOS CRIMES EM UM MESMO CONTEXTO FÁTICO, REFERIDAS CONDUTAS
SUBSUMEM A TIPOS PENAIS DIFERENTES E AUTÔNOMOS, E TUTELAM BENS JURÍDICOS DISTINTOS.
INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CRIME-MEIO E CRIME-FIM. CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA
DO STJ. 2. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA, COM REDUÇÃO
DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. SEM RETOQUES. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DEVIDAMENTE REALIZADA PELO JUÍZO A QUO, COM A RESPECTIVA REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO
DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL POR ÓBICE DA SÚMULA 231, DO STJ. 3. APLICAÇÃO DO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO, DE OFÍCIO. HIPÓTESE SUSCITADA NO PARECER MINSITERIAL. VIABILIDADE.
IN CASU, MESMO NÃO ACOLHIDA A TESE DE CRIME ÚNICO, DEVE SER RECONHECIDO O CONCURSO
FORMAL PRÓPRIO DE CRIMES - NA FORMA DO ART. 70, PRIMEIRA PARTE, DO CP - HAJA VISTA QUE
A ARMA E AS MUNIÇÕES FORAM APREENDIDAS NO MESMO CONTEXTO FÁTICO. IMPERIOSO REDIMENSIONAMENTO DA PENA. APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 1/6 PELO CONCURSO FORMAL À PENA MAIS
GRAVE (03 ANOS DE RECLUSÃO E 67 DIAS-MULTA), RESTANDO A CONDENAÇÃO DEFINITIVA EM 03
(TRÊS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO, ALÉM DE 78 (SETENTA E OITO) DIAS-MULTA, À RAZÃO
DE 1/30 DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. MANUTENÇÃO DO REGIME SEMIABERTO,
EM RAZÃO DA DESFAVORABILIDADE IMPINGIDA AO VETOR “CIRCUNSTÂNCIAS” (ART. 33, §2º, ALÍNEA
“C” E §3º, DO CP). 4. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS
DE DIREITOS. VIABILIDADE. COM A NOVA PENA, NA ESPÉCIE, PASSA A SER CABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO
DA PENA CORPORAL POR 02 (DUAS) RESTRITIVA DE DIREITOS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
PLASMADOS NO ART. 44 DO CP. DEFINIÇÃO A CRITÉRIO DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL. 5. PROVIMENTO PARCIAL AO APELO. APLICAÇÃO, EX OFFICIO, DO CONCURSO FORMAL ENTRE OS DELITOS
DOS ARTS. 12 E 16 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA PARA 03
(TRÊS) ANOS E 06 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO, ALÉM DE 78 (SETENTA E OITO) DIAS-MULTA, À RAZÃO
DE 1/30 DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. SUBSTITUIÇÃO POR 02 (DUAS) RESTRITIVAS DE DIREITOS, A SEREM DEFINIDAS PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL. 1. No caso em apreço,
muito embora haja a consumação de crimes de posse ilegal de munições de uso permitido e posse ilegal de
arma de fogo com sinal de identificação suprimido em um mesmo contexto fático, referidas condutas
subsumem a tipos penais distintos e autônomos e tutelam bens jurídicos distintos, é dizer, a administração da
Justiça e a confiabilidade de cadastros do Sistema Nacional de Armas, não havendo relação de crime-meio
e crime-fim. – Do STJ: “Os tipos penais dos arts. 12, 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento tutelam bens
jurídicos distintos, o que torna inviável o reconhecimento do crime único quando o agente é denunciado e
condenado por infração a mais de um dispositivo legal. Precedentes” (AgRg no REsp 1497670/GO, relator
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 30/3/2017, DJe07/4/2017). In (STJ - AgRg
no REsp: 1819737 MG 2019/0169856-8, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 17/09/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2019) – Desta forma, analisando a
sentença atacada frente a jurisprudência recente, tenho que não merece prosperar o pleito defensivo quanto
à possibilidade de haver consunção entre os delitos previstos no art. 12 e 16 da Lei nº 10.826/03, por tutelarem
bens jurídicos distintos. 2. Quando da análise dosimétrica, o magistrado fez, inicialmente, a análise individualizada de cada um dos delitos, tendo corretamente reconhecido a atenuante da confissão em cada um deles,
e operado a respectiva redução. Deste modo, não há que se falar em reconhecimento da atenuante da
confissão espontânea por ter já sido devidamente realizada pelo juízo a quo. – Ademais, apenas para efeito
didático, na segunda fase dosimétrica é impossível a redução da pena aquém do mínimo legal, por óbice da
súmula 231, do STJ. 3. No Parecer, a douta Procuradoria de Justiça opina para que, de ofício, seja redimensionada a pena final, aplicando-se o concurso formal próprio entre os delitos. – In casu, mesmo não acolhida
a tese de crime único, deve ser reconhecido o concurso formal de crimes - na forma do art. 70, primeira parte,
do CP - haja vista que a arma e as munições foram apreendidas no mesmo contexto fático. – Do STJ: “(...)
os tipos penais dos arts. 12 e 16, da Lei n. 10.826/03, tutelam bens jurídicos diversos e que, por tal razão,
deve ser aplicado o concurso formal quando apreendidas armas ou munições de uso permitido e de uso
restrito no mesmo contexto fático. (...)” (STJ; AgRg-EDcl-AREsp 1.122.758; Proc. 2017/0155637-9; MG;
Quinta Turma; Rel. Min. Jorge Mussi; Julg. 24/04/2018; DJE 04/05/2018). – Destarte, passa-se ao redimensionamento da reprimenda: Conforme decreto condenatório, para o delito de posse ilegal de arma de fogo com
sinal de identificação suprimido (art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/03 – antes da alteração da Lei
13.964/2019), foi fixada a reprimenda de 03 (três) anos de reclusão e 67 (sessenta e sete) dias-multa. Já ao
crime posse ilegal de munições de uso permitido (art. 12, caput, da Lei 10.826/03) foi imposta a sanção de 02
(dois) anos e 01 (um) mês de detenção e 81 (oitenta e um) dias-multa. Dessa forma, considerando-se o
número de delitos, a fração a ser aplicada é a de 1/6 pelo concurso formal à pena mais grave (03 anos de
reclusão e 67 dias-multa), restando a condenação definitiva em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão,
além de 78 (setenta e oito) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos. Em que
pese o novo somatório de pena inferior a 4 (quatro) anos, mantenho o regime semiaberto, em observância dos
critérios previstos no art. 59 deste Código (Art. 33, §2º, alínea “c” e §3º, do CP), notadamente em razão da
desfavorabilidade impingida ao vetor “circunstâncias” – supratranscrita. 4. Com a nova pena, na espécie, é
plenamente cabível a substituição da pena corporal por 02 (duas) restritiva de direitos, face o preenchimento
dos requisitos plasmados no art. 44 do Código Penal, cuja definição deixo a critério do Juízo da Execução
Penal. 5. Provimento parcial ao apelo. Aplicação, ex officio, do concurso formal entre os delitos dos arts. 12
e 16 do Estatuto do Desarmamento. Redimensionamento da pena definitiva para 03 (três) anos e 06 (seis)
meses de reclusão, além de 78 (setenta e oito) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época
dos fatos. Substituição por 02 (duas) restritivas de direitos, a serem definidas pelo Juízo da Execução Penal.
ACORDA a Câmara Especializada Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba, à unanimidade, em
harmonia com o parecer ministerial de 2º grau, dar provimento parcial ao apelo, a fim de, ex officio, aplicar o
concurso formal entre os delitos dos arts. 12 e 16 do Estatuto do Desarmamento, redimensionando a pena
definitiva, antes fixada em 03 (três) de reclusão e 02 (dois) anos e 01 (um) mês de detenção, além de 148
(cento e quarenta e oito) dias-multa, à fração mínima, ao patamar de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de
reclusão, além de 78 (setenta e oito) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos,
de modo que passa-se ao preenchimento dos requisitos plasmados no art. 44 do Código Penal, substituindose a pena corporal do recorrente por 02 (duas) restritivas de direitos, a serem definidas pelo Juízo da
Execução Penal.
APELAÇÃO N° 0001330-31.2019.815.0371. ORIGEM: GAB. DO DES. RELATOR. RELATOR: Des. Ricardo
Vital de Almeida. APELANTE: Jeova Leite da Silva. ADVOGADO: Abdon Salomao Lopes Furtado (oab/pb
24.418). APELADO: Justica Publica. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL[1]. CONDENAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. 1. PLEITO ABSOLUTÓRIO. TESE DE FRAGILIDADE PROBATÓRIA.
NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA PATENTES. PALAVRA DA VÍTIMA NA FASE INQUISITIVA CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DE TESTEMUNHAS EM JUÍZO. VÍTIMA QUE, EM SEU DEPOIMENTO NA FASE JUDICIAL, RELATOU QUE A SUA AVÓ MATERNA TELEFONOU DETERMINANDO QUE
ELA NÃO DISSESSE NADA EM JUÍZO SOB PENA DE LEVAR UMA SURRA. NEGATIVAS DA OFENDIDA EM
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO QUE DEVEM SER PONDERADAS E SOPESADAS DIANTE DAS DEMAIS
PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS. RECUSA DA VÍTIMA EM SE SUBMETER A EXAME SEXOLÓGICO.
AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL QUE NÃO ENSEJA ILEGALIDADE NA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES
STJ E TJPB. CONJUNTO PROBATÓRIO HÁBIL A ARRIMAR O ÉDITO CONDENATÓRIO. ARGUMENTOS
INSUBSISTENTES. 2. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. PRESENÇA DE TRÊS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS (CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME). FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA NOS VETORES CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. NECESSÁRIA
REDUÇÃO DA PENA BASE. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, “F”, DO CP[2] NA SEGUNDA
FASE E DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 226, II[3], DO CP NA TERCEIRA FASE. CUMULAÇÃO.
POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. PRECEDENTES DO STJ. CONTINUIDADE DELITIVA.
IMPRECISÃO QUANTO AO NÚMERO DE CRIMES. IRRELEVÂNCIA. ACUSADO QUE MOLESTOU A VÍTIMA,
COM HABITUALIDADE, VALENDO-SE DA CONDIÇÃO DE “PAI”. ABUSOS QUE FAZIAM PARTE DA ROTINA
FAMILIAR. MAJORAÇÃO DA PENA NO MÁXIMO LEGAL DE 2/3 (DOIS TERÇOS). ADMISSIBILIDADE.
PRECEDENTES DO STJ E DO STF. MANUTENÇÃO DO REGIME FECHADO. 3. PROVIMENTO PARCIAL DO
RECURSO. MINORAÇÃO DA PENA-BASE. NECESSÁRIO REDIMENSIONAMENTO DA REPRIMENDA DEFINITIVA. 1. Depreende-se dos autos que a dinâmica de apuração dos fatos ocorreu da seguinte forma: a
vítima I.K.A.R., a época com 05 anos de idade, morava na residência da sua avó materna, Jovem Bento da
Silva, conhecida como ”Lira”, com Jeová Leite da Silva (companheiro da avó) e com sua irmã Geovana (10
anos). Todos os dias a avó da vítima saia de casa à tarde, por volta das 13h00, com Geovana para levá-la
ao reforço escolar e trabalhar, retornando para casa às 17h00. Durante este período, a ofendida ficava aos
cuidados de Jeová Leite da Silva. Diante de algumas situações, os vizinhos começaram a suspeitar que
I.K.A.R. estava sendo vítima de abuso sexual. Assim, após a menor informar a uma das vizinhas que o
acusado mexia no seu “pipiu”, esta denunciou o suposto agressor ao Conselho Tutelar. No mesmo dia em que
foi realizada a denúncia, 18/07/2019, os vizinhos ficaram observando o movimento na casa da criança e, após
a avó e a irmã da menor saírem de casa, escutaram o réu mandar a ofendida tirar a calcinha e chupar, o som
da criança se engasgando, como se tivesse sido colocado o órgão sexual em sua boca, e, após, chorar. O fato
foi comunicado ao conselho tutelar que compareceu com a polícia ao local e realizou a prisão em flagrante de
Jeová Leite da Silva. Na Delegacia a ofendida confirmou, com detalhes, a ocorrência do delito. – A materialidade e a autoria delitivas se encontram demonstradas por meio da cópia da certidão de nascimento, bem
como pelas declarações da vítima, na fase inquisitiva, e depoimentos testemunhais. – A testemunha
ministerial Angélica Fernandes de Sousa, vizinha da vítima, nos seus depoimentos, na Delegacia e em Juízo,
informou que, aos 18/07/2019, fez a denúncia no Conselho Tutelar de que a menor I.K.A.R., possivelmente,
estaria sendo abusada pelo companheiro da sua avó, Jeová Leite da Silva, porque no dia anterior a menor lhe
contou que o acusado lhe colocava na cama, tirava a calcinha dela e mexia no “piupiu” dela, e que o órgão
sexual dele era grande. Que no dia da prisão em flagrante do acusado (18/07/2019) estava na casa de Dinha
e Fábio (vizinhos de parede com a residência da vítima) onde viram o acusado fechar as portas, logo após
“Lira” e Geovana saírem de casa, e depois ouviram ele mandando a menor tirar a calcinha, “chupar”, o som
da criança se engasgando, como se tivesse sido colocado o órgão sexual em sua boca, e após chorar. Relatou
também algumas situações anteriores que a fizeram desconfiar que o acusado estava abusando da menor,
como um dia que foi na casa do réu e este demorou abrir e quando chegou estava com o zíper do short aberto
e a criança veio logo em seguida totalmente despida. – A testemunha arrolada pela defesa Fábio Martins de
Sousa, que mora na casa ao lado da criança, tanto nos seus depoimentos, na Delegacia e em Juízo confirmou
que no dia 18/07/2019, após “Lira” e Giovana saírem de casa, escutou da sua residência o acusado chamando
a menor de “rapariga safada”, dizendo a ela “que estava na hora”, enquanto a menina chorava dizendo que não
queria e pedindo para o “pai” parar de puxar o seu cabelo, e logo depois mandando ela se lavar. Narrou que no
dia anterior sua esposa “Dinha” e a vizinha “Angélica” conversaram com I.K.A.R. e esta lhes disse que o pênis
de “Bomba” era feio e grande, que “Bomba” mandava ela pegar e lhe dizia que o que saia dentro dele era
pomada e ela podia pegar. Expôs, ainda, que sua esposa “Dinha” lhe disse que a criança vivia se queixando
de infecção urinária e a avó pegava no Posto pomada de adulto para colocar na neta. – A declarante Jovem
Bento da Silva, conhecida como “Lira”, avó da ofendida, confirmou que todas às tardes deixava a criança
sozinha com seu companheiro porque confiava muito nele, e que ele sempre teve cuidado com as meninas,
inclusive elas o chamavam de painho, bem como que a criança nunca lhe queixou de nada. – A ofendida
I.K.A.R., na Delegacia de Polícia sob a assistência do Conselho Tutelar, confirmou o delito, narrando
detalhadamente que “Vavá coloca o pênis na boquinha dela e ejacula nela”, “que Vavá coloca o pênis na bunda
e na vagina dela”. No entanto, a imolada em Juízo negou os fatos e disse que “a sua avó disse que não era
para falar nada”, “que disse que se ela falasse alguma coisa daria uma surra nela”. – Em seus interrogatórios
(fl.10 – Delegacia; mídia digital, fl.83 – Audiência), o réu Jeová Leite da Silva negou os fatos narrados na
exordial acusatória, dizendo que conviveu maritalmente com a avó das menores e sempre cuidou delas,
negando praticar qualquer ato sexual com a criança. – Apesar do réu e da ofendida em juízo, haverem negado
a prática criminosa, o fato é que as demais provas amealhadas nos autos, depoimentos das testemunhas e
declaração da menor na fase inquisitiva, apontam o denunciado/apelante como autor das condutas delituosas
descritas na inicial acusatória em face da vítima I.K.A.R. – Conforme exarado na sentença, resta patente a
pressão sofrida pela menor, por parte da sua avó materna, Jovem Bento da Silva, que, conforme relatado em
audiência, telefonou para neta/vítima determinando que esta não reproduzisse em juízo os relatos anteriores
sob pena de lhe dar uma surra. Repisa-se que a menor, com apenas 05 (cinco) anos de idade, tem a avó
materna (Jovem Bento da Silva) como mãe, por tê-la criado desde que nasceu, logo o fato de hoje a criança
morar na cidade de Custodia/PE, localizada a 300 km da cidade Sousa/PB, onde reside a avó da criança, não
afasta a autoridade e o poder de influência que esta exerce sobre a neta. Assim, diante da declaração em juízo
da menor, antes mesmo de ser perguntado acerca dos fatos, de que “a sua avó disse que não era para falar
nada” e que “se ela falasse alguma coisa levaria uma surra”, as suas negativas na audiência de instrução
devem ser ponderadas e sopesadas diante das demais provas produzidas nos autos, principalmente com a
declaração detalhada da ofendida, logo após ao fato, perante a autoridade policial. – Quanto a alegação de que
não existem vestígios do suposto delito, porquanto o laudo acostado as fls.89/90 teria sido negativo, incorreu
em equívoco a Nobre Defesa. Em verdade, o laudo sexológico acostado às fls. 89/90 é o de Geovana
Almeida Ribeiro de Oliveira, irmã da ofendida. Não obstante tenha sido requerido o exame sexológico da
menor I.K.A.R.(fl.24), conforme Declaração do Instituto de Polícia Científica (fl.26), esta recusou-se a
realizar o exame apesar de exaustiva tentativa da equipe. Entrementes, conforme entendimento pacífico da
jurisprudência pátria não se verifica ilegalidade na não realização do laudo pericial quando do cometimento do
crime de estupro de vulnerável se os demais elementos permitem a condenação do réu, como na hipótese.
– Do STJ. “Consoante entendimento jurisprudencial desta Corte, a não realização de ludo pericial quando da
prática do delito de estupro de vulnerável não enseja ilegalidade na condenação se os demais elementos
probatórios permitem a condenação do réu. Precedentes.” (STJ; AgRg-AREsp 1.603.993; Proc. 2019/03122114; RS; Sexta Turma; Rel. Min. Nefi Cordeiro; Julg. 16/06/2020; DJE 23/06/2020. Grifei). – Neste sentido,
compulsando o arcabouço processual, verifica-se que a materialidade e a autoria do crime de estupro de
vulnerável são incontestes, considerando-se a riqueza de detalhes das declarações da vítima na fase policial
e dos depoimentos testemunhais. 2. Quanto à dosimetria, o apelante insurge-se: (a) quanto a desfavorabilidade das circunstâncias judiciais na primeira fase, requerendo a fixação da pena-base no mínimo legal; (b)
quanto a aplicação concomitante da agravante do art.61,II,”f”, do CP e da causa de aumento prevista no art.
26, II, do CP, por caracterizar “bis in idem”; (c) quanto a aplicação da continuidade delitiva (art.71 do CP), por
entender o magistrado que o apelante teria praticado atos libidinosos contra a vítima no período de 2018/2019,
sem que a causa de aumento esteja descrita na denúncia e nem exista prova de sua existência nos autos. –
Na primeira fase, ao analisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o juiz valorou desfavoravelmente ao réu 03 (três) vetores, quais sejam, a “culpabilidade”, as “circunstâncias” e as “consequências”, e
fixou a pena-base em 10 (dez) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. – Para fins de
individualização da pena, a culpabilidade deve ser compreendida como juízo de reprovabilidade da conduta, ou
seja, a maior ou menor censurabilidade do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito. Na hipótese, o
fato de o acusado ter se aproveitado da relação paterna que tinha com a vítima e da confiança que portava
da avó da criança, sua companheira, que deixava a menor todas as tardes sozinha com ele para ir trabalhar,
aliado ao fato do réu fechar todas as portas da casa, trancando a criança, e aumentar o volume do rádio para
evitar que os vizinhos escutassem os seus clamores, o que comprova a existência de premeditação na
prática do delito, demonstra o dolo intenso e o maior grau de censura a ensejar resposta penal superior. – Do
STJ. “É idônea a valoração negativa da culpabilidade fundada na existência de premeditação na prática do
delito (...)”. (STJ; AgRg-AREsp 1.339.190; Proc. 2018/0198502-0; DF; Sexta Turma; Rel. Min. Nefi Cordeiro;